Saturday 27 April 2013

Agostinho Fernandes - Goa: Vinte Anos Depois (1977)

Foi em 1958, numa tarde de calor abrasador, o suor a escorrer pelo rosto marcado já pela infinda e melancólica saudade, que deixámos Goa a bordo do paquete “Índia”, rumo a novos horizontes, a aventura e ao desconhecido...

Já lá vão cerca de vinte anos... Vinte anos de tristezas e alegrias, de esperanças e ilusões, de luta e trabalho. Vinte anos de vivência profunda nas mais árduas condições, em choques constantes com civilações que não eram as nossas, vinte anos de acrisolado amor escondido algures num cantinho do ser por este pedaço de terra perdido na imensidão do mapa.

Agora regressamos...

Meu Deus! Como Goa se modificou! Como Goa desenvolveu! Como Goa se fez adulta! Como Goa nos pareceu estranha e quase hostil!

Logo nos primeiros dias Goa mostrou-se-nos algo desconhecida, tão diferente do querido torrão que deixáramos há apenas duas dezenas de anos... A invasão do progresso já chegara até Goa... Lindos e airosos prédios de vários andares, com estruturas e matizes ocidentais, desabrocham um pouco por todo os lados...

Pangim, cidade quase bucólica de então, languidamente debruçada, estende-se agora em mostros de aço e cimento pelo Campal fora, enquanto uma enorme ponte substitui os “ferry-boats”.

Vasco da Gama, jardim florido que já foi, é, presentemente, uma amálgama de edifícios...

Mapuçá, que é feito da sua arrogante e aristocrática fidalguia?

Margão perdeu a sua ancestral pacatez para dar lugar a um reboliço constante, num ir e vir continuo e estonteante de gentes e veículos, de vozes e ruídos, de buzinas e gritos: “Quepém... Sanvordém... Sanguém..., Varcá..., Orlim..., Carmonã...” Tan-laddu”, “Tan-laddu”, “Pan-supari”...

Longas e serpenteantes fitas de negro asfalto cobrem todas as estradas e mesmo as picadas insignifiantes indo morrer nos povoados mais afastados dos grandes centros.

A corrente eléctrica invadiu agressivamente até os casebres mais humildes do interior. Aqui e acolá pululam grandes complexos industriais substituindo gradualmente as antigas pequenas industrias quase artesanais.

As escolas galgaram, ao desafio, bairros e povoações numa luta desenfreada de expandir o sabor e a instrução atingiu níveis que nem sequer nos era dado sonhar... Santo Deus, tantos e tantos jovens com curso superior! Goa bem pode vangloriar-se da sua juventude.

Entretanto, potentes escavadores continuam a desentranhar as encostas dos Gates num ciclópico trabalho de extração de riqueza que em camiões, em comboios e em barcaças é drenada nos bojos de enormes cargueiros ancorados no magnífico porto natural de Mormugão...

“Ninguém mais poderá deter o progresso deste terra” – como diriam os brasileiros. Coom Goa modificou-se.

Céleres, os dias foram passando. Num frenesi constante, numa verdadeira luta contra o relógio, andamos, vimos, sentimos, sondamos, palpamos, convivemos e agora que estamos quase a deixar o nosso torrão natal, apesar do estonteante e salutar progresso, apensar do imenso desenvolvimento, apesar, ainda, do calor, quase insuportável, continua a ser a mesma Goa que deixámos duas décadas atrás.

São iguais as lágrimas comovidas dos familiares que nos querem tocar repetidamente para terem a certeza de que não estão a sonhar e de que a nossa presença aqui é mesmo real.

São mesmos os abraços dos velhos amigos que quase nos partem as costelas de tanto nos apertar.

E mesmo o sotaque: carinhoso dos conhecidos que cruzam connosco nas ruas e nos saúdam amigavelmente: “boró assa”?

São iguais as várzeas infindas já loiras de sazonadas, algumas já em plena faina de ceifa e debulha, são iguais os cantares dos “rendeiros” lavrando as palmeiras são idênticos os murmúrios dos ribeiros e regato na sua corrida interminável para o mar, é idêntico o pipilar gorjeante dos pássaros orquestrando o alvorecer.

Não mudou o olhar vivo e nos rostos das criancinhas a caminho da escola, não mudaram os deliciosos sabores das iguarias tipicamente nossas, não mudou o ruminar pachorrento dos bois vagueando pelos arrozais já ceifados...

Não! Goa, apesar de tudo mantém-se idêntica a si mesma! Até o esguio e solitário coqueiro ao pé dos rochedos, à sombra do qual rimamos os nossos primeiros versos de ingénua adolescência, continua hirto e vigilante, talvez um nadinha mais velho, desafiando o firmamento com as suas palmas generosamente abertas...

Não há dúvida, Goa continua a ser a mesma “Golden Goa” de sempre, onde ainda se pode acariciar com a vista o frondoso das suas matas e o verdor das suas plantações, onde a hospitalidade e o carinho continuam a não ser uma palavra vã, onde a poluição ainda não chegou, onde ainda se pode respirar, como bálsamo salutar, a paz, o sossego, a tranquilidade que no resto do mundo já se perderam há muito tempo...

É adeus novamente.

Obrigado Goa por nós ter possibilitado redescobrir um dos últimos recantos onde ainda é permitido sonhar, onde a esperança renasce, onde a vida n~åo nos parece tão vazia e inútil.

Mais uma vez obrigada Goa... e até breve.

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