Monday 11 June 2012

Victor Orlando - Mario do Carmo Vaz e o Seu Primeiro Livro de Poemas (1956)

Se é verdade que já não há maus começos e que a era actual já não aceita derrotas, Carmo Vaz, publicando o seu primeiro livro de poemas, leva-nos a crer que, num futuro próximo, venham a ficar as suas possibilidades, mais bem vincadas, e mais personalizada a sua poesia.

Nada sabemos de especialmente mau, nem nada de extraordinário, na colectânea em questão. Carmo Vaz assinalou a sua presença na poesia goesa e, só por isso, a “terra” já lhe fica a dever.

A técnica e a forma não nos merecerão reparos, até porque não é, na crítica de poesia, que nos vemos mais à vontade. Porém, como Carmo Vaz tenha abordado assuntos sociais, que são da nossa particular predilecção, diremos, após uma leitura mais ou menos cuidada, que Mário do Carmo Vaz “quer” ser povo e sente que ainda o não é. Só basta a “vontade”, que é indício do próximo fim da “burguesia”; e é quanto eleva a finalidade do primeiro livro de quem já foi classificado como o “príncipe” dos poetas goeses.

No entanto, o autor a quem nos referimos, tem notável intuição poética que poderá culminar em melhores e mais ricas produções, às quais, se aparecerem, esperamos que Carmo Vaz dará a finalidade do movimento poético actual: sugerir e não descrever!

“Cobre-me, agora, a sombra da morte...” chora o poeta na “Ode para um goês distante” e não sabemos porque! Se os campos, se os pés descalços, se os descamisados estão à espera que lhes traga melhores dias, porque há-de a “Sobra da morte” cobrir-nos os sonhos?

Mas deixando subtilezas para outra melhor oportunidade, Carmo Vaz, pelo passo que deu, decisivo e arrojado, lançando o seu livro, merece encómios, merece apoio, merece, digamos assim, aplausos, e muitos, porque, só do incentivo, vem a melhoria e o progresso!

Carmo Vaz tem, sem dúvida, sensibilidade poética, que, devidamente explorada, pode levá-lo longe. Vemos isso em:

“E a noite é cada vez mais

Negra e baça...

Só, no alto dum telhado,

O olhar fulgurante

Duma gata em cio,

Buscando – absorta

Num desejo lascivo –

A carícia dum amante,

É um protesto vivo

Contra a Noite morta!”


Do seu poema “Gosto de ficar, assim) (p.73-76), Mário do Carmo Vaz revela que está de caminho a mais latos horizontes poéticos.

À parte os reparos que fizemos, bem intencionados e sinceros, e sem própositos de esmiuçar “A Terra Falou-me Assim”, felicitamos Mário do Carmo Vaz por nos ter dado uma oportunidade de apreciar as suas possibilidades poéticas, que, sinceramente, confiamos, Carmo Vaz em breve nos dará melhoradas.

“Gosto de Ficar, Assim”

Gosto de ficar, assim,

Contemplando a Noite,

Negra e baça

Fria, como um açoite,

Vergestando a beleza nua

Duma escrava de raça –

A Lua.



Gosto de ficar, assim,

Contemplando a Noite,

Negra e baça...



Distante,

O claxon esganiçado

Dum carro que passa,

É um uivo alucinante

De cão esfaimado.



E fico contemplando a Noite

Fria e baça...



Crepes negros de luto pesado,

Envolvendo o casario,

Sombrio,

Da gente do fado.



E a noite é cada vez mais negra e baça...



Só, no alto dum telhado,

O olhar fulgurante

Duma gata em cio,

Buscando – absorta

Num desejo lascivo –

A carícia dum amante,

É um protesto vivo

Contra a Noite morta!



Ai! Como gosto de ficar, assim

A contemplar a Noite

Negra e baça...



Ó noite, negra e baça

Teu companheiro

Teu irmão.



Ó Noite, negra e baça

- espelho da imensa desgraça

que enluta o Mundo inteiro.

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