Sunday 25 December 2011

Walfrido Antão - Flores Campestres Review (1968)

Alberto Menezes Rodrigues que me honra com sua amizade há anos acaba de me oferecer com uma amável dedicatória seu último livro de contos e que leva o sugestivo título de Flor Campestre. Li-os. Gostei. Tornei a ler e nas suas páginas ainda húmidas do prelo e da imprimissão como diria Jaime Rangel fui encontrar Goa Velha, a antiga capital do Reino dos Kadamba. O ar, o clima dos contos, e telúrico, igual às raízes, ao varzedo verde, à graça fresca e louçã das suas raparigas e mulheres que enfeitam os mercados de Pangim e Margão com o refolho das suas saias de chita e “choli” que revela mais do que esconde.

Quem conhece Goa Velha sabe que esse pequeno rincão da alma goesa tem a genealógica aristocrática de velhos proprietários Menezes, um dos quais deixou pelo seu amor à agricultura um importante tratado sobre a “Arte Palmarica”. Um Plácido Menezes se não me engano que no contexto da nossa economia deixou uma tradição e novos métodos. É assim a terra, a posição geográfica onde se movem os personagens dos contos de Flor Campestre. Alberto Menezes Rodrigues é essencialmente um poeta de sentido lírico como se referiu o crítico literário do jornal O Século de Lisboa ao apreciar seu li

ro de poemas. Rico de imaginação, o autor de Flor Campestre foi buscar ao povo seus personagens. O “conflito” ou seja o “drama” dos contos de Alberto Menezes Rodrigues não tem no entanto a dimensão do “moderno”, “realista”. Falta-lhe a economia das palavras. Vai longe no pormenor e no detalhe. Não deixa ao leitor a margem da “escolha” de ele ser um dos personagens. Como um poeta que é, arranca os personagens à sua fantasia. Vejamos por exemplo o conto “Flor Campestre”. O personagem principal ou o herói é um médico recém formado, que se apaixona por uma Mariana que vinha buscar água ao seu poço. Ela era filha do povo que nunca podia sonhar com um doutor e Alberto Menezes Rodrigues aproveita desta situação para nos dar uma imagem rósea e optimista da vida ‘tout est bien que finit bien”. Depois do “moruoni”, esta passagem “Aproximando-se da noiva ainda mais, e em cujos lábios de rosa, bailava um lindo sorriso de graça e de sonho, e poisando as duas mãos sobre o ombro dela Daniel do Rego depôs na fronte ebúrnea um beijo puríssimo de amor.”

Sejam quais forem as nossas ideias sobre a literatura e muito embora nos custe compremeter o sentido existencial da literatura que papa hóstias de má catadura pouco entendem, convém reconhecer que Alberto Menezes Rodrigues tem contribuído imenso para alargar a dimensão de literatura em Goa. Ele traz influências profundas dos românticos, Júlio Diniz em especial. Até a escolha dos nomes das personagens, como Daniel, parece obedecer a esse comando instintivo. Que Alberto Menezes Rodrigues continue a criar.

Visnum Porobo Sincró - Canavial

Naquele extenso bambual cor de esmeralda
Ocupando o sopé da coluna ondulante
Arequeiras que ficam no fundo do vale
Com toldos de cachos amarelecidos,
Branda aragem murmurando sempre,
Aves trinando encantadores gorgeios,
A cogul anunciadora da Primavera,
De vez em quando soltando sons melífluos,
Os viandantes que se aproximam
Dão graças ao Omnipotente Criador,
Os aborrecidos da faina cotidiana
Esquecem num momento as agruras
No canavial sempre verdejante.

Jubileu de Evágrio Jorge (1975)

Passa amanhã, o jubileu de oiro do diário concani Uzvadd, motivo por iniciativa de uma comissão constituída para o efeito, haverá uma sessão de homenagem sob a presidência do sr Tito Menezes, Comissário Judicial, no Clube Nacional, às 18:30 horas.

Nascido em 6 de Março de 1925 em Carmona, feitos os estudos primários na sua aldeia, matriculou-se no Liceu tendo estudado até o 6o ano.

Atraído desde muito novo para o jornalismo, trabalhou como assistente do Editor, adv. Amadeu Prazeres da Costa em “O Heraldo” e mais tarde no “Diário de Goa”. Editou também em Bombaim o quinzenário concani ‘Azad Goem’, de que foi editor em chefe o finado Tristão de Bragança Cunha, “Pai do Nacionalismo Goês.”

Envolvido no movimento da libertação de Goa desde o início, ofereceu satyagraha em Cuncolim em 7 de Novembro de 1946 e foi condenado a mês e meio de prisão, cumprindo a pena na cadeia de Quepém.

Preso de novo em 15 de Agosto de 1946, foi encarcerado na fortaleza de Aguada, julgado pelo Tribunal Militar e condenado a 5 anos de prisão rigorosa, sendo porém posto em liberdade em 1950, graças a amnistia concedida pelo Ano Santo.

Perseguido pela Polícia, passou para Bombaim, onde depois de trabalhar no quinzenário “Azad Goem”, serviu na secção concani dos Serviços Externos da All-India Rádio, em Nova-Delhi, de onde, depois da libertação de Goa, passou para a estação de Bombaim e finalmente para a de Pangim.

Tendo começado a escrever aos 14 anos, publicou os seguintes folhetos: “Santos ou Arruaceiros” sobre as conversões forçados, “Salazar’s rule over Portugal and the Goa case”, “Salazar ani Goem” etc.

Colaborou largamente em “O Heraldo” e outros jornais e publicou no “Navhind Times” uma série de artigos sobre filhos ilustres de Goa. É desde 1970 editor do diário concani Uzvadd.

Tomou a iniciativa da celebração do centenário da morte de Francisco Luís Gomes, sendo secretário da sua comissão e foi ultimamente eleito presidente da comissão de recepção da 3a. Conferência de Escritores Concanis.

Por esta faustosa data apresentamos ao sr. Evágrio Jorge as nossas calorosas felicitações com votos sinceros por longos anos de vida felizes e prósperos.

Jeanette - Uma Família Goesa (1957)

- O quer que lhe diga, Mann Zé! Reprovaram a Lena!

- Reprovaram? Mas como? Se já estava tudo tratado? Então julga que minto? Pergunta, aliás, à Beatriz, se não tratámos do assunto durante o jantar que “lhe” oferecemos! Essa é que está boa. Então jantou – só em vinhos setenta e cinco rupias!... E...

- Setenta e cinco?! Como? Se paguei setenta e cinco rupias e sete tangas?

- Promete-te Maria! Não pus na conta mais do que gastei. Não me lembrava das tangas. Mas não é isto o que interessa! Então fiz as despesas e...

- “Fiz as despesas”?! Pois eu é que paguei todas as contas e nem sequer comi o jantar! E a Lena reprovou! Que tempos estes! Então, a Lena, reprovaram, sem a mínima consideração por ti, pelas famílias de quem descendemos! E deixaram passar o filho do nosso carroceiro! Estás a ver para onde caminha o mundo?! Estás a ver?!

E a Dona Maria bateu o pé com tanta força na lage de cimento do balcão do seu Mano José – Mann Zé – que a camurça gasta do calçado cedeu e o tacão dobrou-se todo, provocando uma entorce que arrancou um “Jesus” da garganta da, já naquelas alturas, apopléctica Dona Maria. Esqueci-me de lhes descrever o pormenor “panorâmico” do balcão do Mann Zé – tão de chofre começou a conversa que a Dona Maria não deixou tempo para “observações” prévias. Imaginam, no entanto, um homem de estatura mediana com um leque de palmas ao lado, os dedos ocupados em desobstruir um cachimbo meio carcomido, sentado numa cadeira de lona de que não se sabia bem a cor com os pés por cima de um banquinho enquanto os chinelos descansavam até não serem chamados a cobrir os calos do venerando “herdeiro” das “tradições da família” – foi como o Zé estavas antes do tacão da Dona Maria curvar-se sob o peso da indignação que motivara o tacto do filho do carroceiro ter passado os exames! O balcão tinha uma só parede na qual se abria uma porta que dava para um corredor. Duas colunas, dois prismas rectangulares sustentavam-no nos extremos e dois poios de cimento e madeira fingiam, de cada lado, uma meia parede. Distava da estrada, que passava rente, os dez degraus que só galgando-os se podia subir. Foi por eles que a Dona Maria entrou ostentando um chapéu de sol de enormes dimensões – um “sombreiro” como lhe chamam – que de maneira nenhuma podiam tranquilizar um homem como o Zé, sofrendo de gota – reumatismo – designação airosa e aristocrática dos males que dificultam talqualmente a gota, o movimento livre das pernas. Vieram as “crioulas” quando convocados pelo aflito Mann Zé, que quando viu a mana baquear como a tirania, assustou-se e deixou cair o cachimbo – qual bicho, amigo da sissiparidade, que prontamente se fez em dois (não cachimbos, mas pedaços). Fizeram o curativo que consistiu em embeber trapos velhos em água de sal morna e aplicá-los na região dorida. A segunda fase, seria untar o tornozelo de óleo de coco.

- Patifes! – rosnou a Dona Maria fazendo um certo esforço para dominar a dor que a angustiava. O Mann Zé, ao lado, continuava impassível a desobstruir o cachimbo partido com seriedade e persistência dignas de servirem de exemplo aos que andam em tarefas similares no Canal de Suez

- Patifes! – rosnou outra vez a Dona Maria e desta, o poial vibrou, ao menos ao Mano assim pareceu. Perante tanta fúria pensou o pobre “paciente” de gota que era preciso agir já que reagir não poderia, com as pernas tão trôpegas. E se bem pensou melhor o fez.

Sopesou, lastimoso, os dois fragmentos do cachimbo e monologou:

- Era do meu avó! Depois foi meu pai! E agora.. é o que é... E admiram-se que já não respeitem as tradições.

Laxmanrao Sardessai - Bonança (1965)

Lá fora sopra a procela.
Chove a cântaros,
Ululam as águas,
E os elementos da natureza,
Entram em jogo macabro.
A trovoada intercalada de raios
Sacode a terra imersa em trevas.
Árvores são arremessadas
Como folhas leves,
Estorcendo-se em movimentos
De fantasmas hediondos!
E o mundo parece rolar
Para o abismo do infinito
Mas, ó minha amada, tu estás
Firme e serena no teu posto
E um sorriso da bonança
Baila nos teus lábios!
E que nos teus olhos
Vejo refletida a imagem da Bíblia.

Friday 9 December 2011

Laxmanrao Sardessai - Eu Canto Quando os Outros Choram (1965)


Eu canto quando os outros choram,
Eu canto quando vejo o infeliz,
Ainda em flor da idade,
De membros gangrenados,
De mãos e pés roídos,
Desforme e desolado,
Prostrado à borda da estrada,
Implorando  compaixão divina
E um olhar terno do transeunte
Então, eu canto e a minha canção
Envolve, num abraço estreito,
O desesperado leproso
Que chora, acordando em mim
O belo e o sublime
E vibrando as cordas da minha alma
Que reboa pelos vales e montes
Comunicando a todos os entes
A inefável dor daquele condenado!
Eu canto, quando vejo,
A infinita tortura da mãe,
Enferma e esquálida
A quem acaba de ser arrebatado
Pelo destino, o seu único filho,
Novo e forte, único esteio
Da mulher invalida.
E a minha canção, qual vento ligeiro
Sob nos ares, em todas as direcções,
Levando o bálsamo a todas as mães infelizes
Que choram a perda prematura e repentina
Dos filhos dilectos...
Eu canto, quando a cega epidemia
Ceifa as vidas, ainda em botão,
Quando o camponês, louco e desesperado,
Ergue as suas preces para o Céu
Pedindo à providência gotas de água pura
Para o seu terreno crastado
E a minha canção passa como um relâmpago
Pelos povoados e cidades
Despertando para o seu infortúnio
Os corações afortunados
E sacudindo a letargia dos insensíveis
Que acodem aos desgraçados
Com óbolos e dadivas.
Sim, eu canto, quando a miséria
Impera, reduzindo os entes humanos
A farrapos que o vento arroja
No seu redemoinho...
Eu canto, quando a maldade humana
Se empenha, encarniçada,
Em apagar a luz da alegria
Que ilumina os inocentes e os ingénuos
E, então, a minha canção troveja,
Rebomba... açoita...
Com a veemência da procela,
E, num relance de olhos,
Uma hoste poderosa,
De corações magnânimos
Emerge da escuridão
E avança, qual exército vitorioso,
Levando-lhe conforto e esperança,
E, punindo os malfeitores.
Eu canto quando os bons
E os inocentes choram,
E a minha suave canção
Enxuga-lhes as lágrimas
E os cobre duma armadura
Invulnerável
Eu canto, por que choro a dor dos que choram...
E também choro de êxtase
Quando vejo a corrente,
Pura e cristalina do Ganga
Veemente e tumultuosa aqui,
Serena e majestosa, acolá,
Mas, sempre magnânima e farta,
Fertilizando com a sua limfa criadora,
Campos e florestas,
Alimentando homens e animais
E semeando bênções?
E canto, em fim, quando vejo,
De longe, muito longe, os Himalayas,
Firmes e erectos, quais rishis,
Confundindo-se com as nuvens,
E derramando das suas neves eternas,
Correntes abençoadas, quais Buda e Cristo
Que derramaram dos seus corações
Correntes de amor
Que levaram para redenção
Almas infinitas!

Tuesday 6 December 2011

RV Pandit - Cada Gota do Teu Sangue (1968)

Os inimigos
Da liberdade
Disparam
Contra o teu coração?
Para te tirar a vida?

Faz do teu coração
Um escudo
Sê doido
E avança
Pela liberdade.

As balas
Entram
No teu corpo?

Ai! Meu irmão
Não faças caso
Avança
Até cair
Pela Liberdade!

Jorra teu sangue
Pela terra?
Ai! Meu Deus.
Não importa
Avança sempre
Até a morte
Pela liberdade.

Cada gota do teu sangue...
Pela terra esparzida
Pedira
O sangue
Das gerações
Que virão atrás...

Pedirá sempre
Por séculos
Vigilante
No caminho
Da Liberdade

Cada gota
Do teu sangue
Trará brilho...
A bandeira, tricolor
Brilhará
No caminho
Da liberdade

E pedirá
Gotas do teu sangue,
Quente,
A terra
Os rios... de lágrimas
As flores
Te comemorarão
Por séculos
No caminho
Da liberdade.

Faz do teu peito
Um escudo
E avança
No caminho
Da liberdade
Pela liberdade!